terça-feira, 21 de junho de 2011

Inverno

Hoje começa o inverno oficialmente por aqui. Para comemorar, um poema de Machado de Assis, extraído da publicação 'Falenas'.


Manhã de Inverno Coroada de névoas, surge a aurora

Por detrás das montanhas do oriente;

Vê-se um resto de sono e de preguiça,

Nos olhos da fantástica indolente.



Névoas enchem de um lado e de outro os morros

Tristes como sinceras sepulturas,

Essas que têm por simples ornamento

Puras capelas, lágrimas mais puras.



A custo rompe o sol; a custo invade

O espaço todo branco; e a luz brilhante

Fulge através do espesso nevoeiro,

Como através de um véu fulge o diamante.



Vento frio, mas brando, agita as folhas

Das laranjeiras úmidas da chuva;

Erma de flores, curva a planta o colo,

E o chão recebe o pranto da viúva.



Gelo não cobre o dorso das montanhas,

Nem enche as folhas trêmulas a neve;

Galhardo moço, o inverno deste clima

Na verde palma a sua história escreve.



Pouco a pouco, dissipam-se no espaço

As névoas da manhã; já pelos montes

Vão subindo as que encheram todo o vale;

Já se vão descobrindo os horizontes.



Sobe de todo o pano; eis aparece

Da natureza o esplêndido cenário;

Tudo ali preparou co’os sábios olhos

A suprema ciência do empresário.



Canta a orquestra dos pássaros no mato

A sinfonia alpestre, — a voz serena

Acordo os ecos tímidos do vale;

E a divina comédia invade a cena.